sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

desafio da escrita dos pássaros #2.4

Maria das Dores, meretriz afamada, com clientela fidedigna mas pouco digna, e a quem muitos preferiam chamar Maria dos Prazeres, saiu de casa apressada. Lábios vermelhos, decote vincado no peito roliço, cabelo apanhado no cocuruto, ancas delineadas pela saia justa demais, atravessou a avenida a correr e entrou num táxi que a levaria à consulta.

Maria sentia-se cansada mas, achando que não era doença, acreditava que havia naquela canseira mau olhado. Tinha ouvido falar que em Caminhos Tortos, pequena aldeia na serra, tudo se endireitava em casa do doutor. Não lhe sabia o nome mas parecia que o homem era santo ou adivinho mas sem bola de cristal. Deitará as cartas, pensou. Ou falará com os espíritos, sabe-se lá.

Deu ao motorista a morada e o homem, useiro e vezeiro naquele trajeto, arrancou.

A casa do doutor ficava no terreiro, perto da torre da igreja onde o sino marcava as horas a compasso. Eram 16h35 quando Maria das Dores tocou à campainha. Sem cerimónia, abriram-lhe a porta e levaram-na até à salinha onde o doutor a esperava. Em cima da mesa redonda de pé de galo, nem cartas, nem velinhas para chamar os mortos. Apenas um computador.

- C’um caraças, - pensou Maria das Dores - até parece que estou na Segurança Social.

- O que a traz por cá? - inquiriu o doutor.

Maria das Dores explicou o cansaço, as aflições, as noites mal dormidas com sonhos mal amanhados. As vozes que ouvia e não a deixavam sossegar, o medo de não acordar por culpa dos pecados cometidos. O doutor esticou-se na cadeira e aproximando-se da mesa começou a escrever no teclado do computador. A impressora cuspiu uma folha com letras miudinhas que o doutor lhe entregou.

- Maria, está na hora de mudar de vida. Siga as instruções que estão aqui nesta folhinha e vai ver que daqui a um mesito se sentirá como nova.

Ela levantou-se, pagou a consulta e saiu mais ligeira do que tinha entrado.

No táxi, de regresso a casa, leu de viés a folha com as instruções que o doutor lhe entregou. Procurou o nome do doutor e encontrou-o em letras pequeninas no rodapé da folha - Google.

- Ai Jesus, com este nome não admira que saiba menos do que eu!

E chorando o dinheiro gasto, abriu a janela e atirou o papel borda fora, rogando pragas à puta da vida.

5 comentários:

  1. Mas fica a questão em aberto: o Google estava ou não errado?
    Bem esgalhado!

    ResponderEliminar
  2. Mais uma que consultou o Dr Google 😀😀😀.
    Nos Blogs do Sapo sou a Charneca em Flor 😊

    ResponderEliminar
  3. As técnicas tradicionais adaptadas às novas tecnologias ;)

    ResponderEliminar