quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Pobres Anónimos

Sento-me a escrever sobre mim e se calhar sobre ti. Sento-me a escrever a dor de saber existir uma nova realidade, um novo grupo, um novo medo, uma nova vergonha.

Não há dia sem pensar naquilo em que me transformei. Não há dia sem pensar nas escolhas erradas que fiz. Não há dia em que não inveje a segurança dos outros. Não há dia em que não tente esquecer tudo isto. Sou pobre. Mas anónima.

Anónima aos olhos de quem me acha feliz. Anónima aos olhos de amigos que se esquecem de perguntar como estou, se preciso de alguma coisa. E vou-me fragmentando, dia após dia, em pequenos gestos e conversas, em carências e pedidos de ajuda desajeitada - porque nunca soube pedir. Porque nunca precisei de o fazer.

É esta pobreza disfarçada de tantos que confunde a sociedade. Antigamente a pobreza via-se na falta de cultura, nas roupas gastas, nas unhas sujas das crianças, na conversa de café. O que dantes era "sinal exterior de riqueza" não passa agora de um passado que ainda nos ajuda a manter as aparências. Mas toda a vida as aparências iludiram. E agora, mais do que nunca.

Eu sou pobre. E tu? Guardas pelo menos a riqueza da tua alma?

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Os filhos perdidos


Manel, levanta-te da cama!; Oh mãe deixe-me dormir…; Manel, levanta-te que perdes o emprego; Oh mãe que se lixe o emprego; Mas filho, sem emprego não há dinheiro e sem dinheiro não há pão; Oh mãe, que se lixe o emprego e o dinheiro. O dia de amanhã há-de ser igual; Como Manel, como? Grita a mãe. Arranca-lhe a roupa da cama e lembra-se de quando o tirava da cama para ir para a escola, estremunhado, de quando lhe dizia que era importante estudar para não acabar na prisão como o pai. O Manel não se lembra, tem outros fantasmas – a droga, os amigos que desapareceram em rixas, o frio da sala onde se assustava com os colegas mais velhos e maus que o marcavam de medo e vergonha.

Noutra cama, noutro quarto, noutra casa, noutro bairro, Luísa acorda assustada com o toque do telefone. Dormiu pouco, acordada pela ausência do filho que tentou contactar toda a noite. Onde anda? Como estará? Atende o telefone inquieta e a voz da senhora pergunta-lhe: é a mãe do João Maria? Sim, responde. O que aconteceu? Está internado no hospital, consequência de um acidente. Está vivo? Pergunta sem coragem… Está… responde-lhe a senhora da voz que se apaga a seguir… mas por pouco tempo, pensa. Coitada, mais uma a chorar para toda a vida.

domingo, 11 de março de 2012

Amores impossíveis

Os amores impossíveis são aqueles que não se medem em dias, meses, nem anos. São amores que nos enchem a alma e o coração e nos desgovernam os sentidos em pedaços soltos de felicidade incontida. São aqueles que nos fazem sonhar e querer mais e que nos deixam boquiabertos pela reviravolta improvável que trazem à nossa vida. São aqueles que provocam a inveja dos amigos e que desmoralizam quem não acredita em contos de fadas.

Os amores impossíveis são, no fundo, eu e tu e a nossa vontade de acreditar.

Nós, os que realizamos o impossível, queremos lembrar-nos sempre da sorte e do amor, que as linhas cruzadas do acaso nos deram a provar.