domingo, 2 de outubro de 2011

Solidão

O tempo e a vida ensinaram-me que não há pior solidão do que a solidão acompanhada - aquela em que convivemos no mesmo espaço mas sem partilhar o que faz de nós Homens. A falta de presença física e emocional leva-nos por trajectórias sem futuro. Criam-se barreiras e esconderijos e é mais fácil abrigarmo-nos do que fazer um sorriso ou esboçar o desejo de encetar uma conversa.

Tive um passado de momentos calados. Calados em actos e palavras. Calados em sentimentos e dores. Calados em afeição e amor.

Sei agora que a partilha pode ser singular, quente, apaixonada, sentida. Sei agora que o amor se dá e recebe. Sei agora que já não sei viver em solidão.

sábado, 19 de março de 2011

Filho

Sinto que te faço crescer depressa demais. Ralho-te. Educo-te. Amo-te. Dou-te beijos e faço brincadeiras parvas. Quero ver-te feliz mas ponho-te de castigo quando te sinto baixar os braços às contrariedades da vida.

Diz-me: exijo demais de ti? Se calhar exijo. Penso muitas vezes que tenho de te deixar ser criança. E és, pois és? Tens brincadeiras tolas e casmurrices que bradas do alto dos teus oito anos. És meigo e sensível. E há dias em que a tua teimosia me leva à loucura. Dizes-me - a minha irmã é insuportável - mas os teus olhos doces dizem-me - não sei viver sem ela.

Hoje é dia do Pai. Mas o que sinto é que nesta casa só tu tens pai. A mãe, eu, sempre presente na vida dos dois, por vezes deixa-se atingir pela revolta e tu, meu Amor, tu perguntas-me: Mãe, estás zangada comigo? Não filho. Por vezes estou zangada com a vida. E tu, que me és o mais próximo, sentes-me triste e zangada.

Não quero falhar como Mãe. Não te quero falhar como Mãe. Sei-te pedir desculpa mas sinto-me imperfeita. Talvez também exija demais de mim, entendes-me? Quero ser a Super Mulher - a que trabalha e educa, a que assegura uma vida serena, feliz e responsável.


O beijo que aqui te deixo, e que provavelmente nunca lerás, é do tamanho do mundo - como dizíamos quando eras mais pequenino. Respeito-te, filho, pela criança que hoje vive em ti e pelo Pai que, um dia, serás.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Parabéns




 Tez morena e olhar de galã. Não sei o que teria ele visto em mim - se a presa fácil e desprotegida que eu era, se a fêmea sedenta de sexo e amor. Sexo e amor? Não. Sedenta de sexo. Só.
Pagou-me o chá gelado de melão que eu bebericava e saudou-me - não a tenho visto por aqui.
Pensei - mas alguma vez me viste por aqui? Limitei-me a sorrir e a agradecer. Depois lembrei-me dos conselhos da J - tens de te soltar, não podes ser tão rígida, se te apetece fazer uma loucurazinha, avança. Ir para a cama com o desconhecido - qual seria o tamanho da loucura? Seria razoável? Fiz uma comparação absurda - quando não consigo dormir prefiro tomar um ansiolítico que me ajude a fazê-lo do que aguentar a ressaca de não dormir. O desconhecido seria o meu ansiolítico desse dia. Preferia-o à ressaca da solidão no meu dia de aniversário. Avancei. Hesitava mas não o demonstrei. Nunca tinha tido um caso. Não sabia se ele era casado, solteiro, viúvo. Até podia ser padre. Pouco me interessava.
- Olá. Está bom? Também não o tenho visto. Este calor arrasa comigo.
- É uma pena a esplanada não ter ar condicionado.
Rimos os dois da piada sem graça alguma e ele avançou - No átrio do hotel servem um crepe de gelado fantástico. Aposto que refrescávamos.
Não respondi. Levantei-me e dirigi-me para o hotel. Ouvia os passos dele logo atrás de mim. Senti o seu cheiro transportado na brisa ligeira que me despenteou.
Sem palavras, dirigi-me para o elevador. A porta fechou-se e ele percorreu a minha boca com a sua língua. Deixei-me afogar nas mãos dele.
Não sei que parte de mim perdi, nem que parte de mim encontrei naquele dia. Não sei se fui feliz durante uma hora ou durante uma tarde.
Gostei. Sem medos, nem cartilhas. Só dois corpos num desejo.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Histórias quase felizes

A Joana chegou já tarde. A cozinha estava por arrumar, os sapatos no chão, o gato miava com fome e a luz da televisão, por desligar, inundava a sala. Ele dormia na cama, ressonando.
- Acorda, temos de conversar - disse, batendo-lhe ao de leve no ombro.
- Hmm? Agora? Deixa-me dormir.
- Estou grávida.
- Que raio de hora para me dizeres isso - rosnou entre dentes enquanto tentava despertar. Não sabias ter cuidado? Não quero ter filhos, gritou.
- Mas porque gritas comigo? E o teu cuidado? Avisei-te que não tomava precauções. Disseste que pouco importava porque era a mulher da tua vida. Mudaste de ideias?
- Não. Não sei. Não achei que acontecesse tão depressa. O que pensas fazer?
- O que penso? Não deveríamos pensar os dois?
- Tu é que estás grávida, não eu.

A Joana emudeceu. Sentiu a nova vida dentro dela esvair-se. Quis morrer e nascer de novo num local distante, longe do mal que ele lhe fez mas perto do filho que ía nascer. Saiu e não voltou.

Quero, mas não me apetece


Sei que é estranho mas é assim que sinto - quero fazer mil coisas, mas não me apetece.

Quero escrever, mas falta-me a vontade.
Quero arrumar o escritório, mas falta-me a vontade.
Quero cozinhar, mas falta-me a vontade.
Quero enviar CV's, mas falta-me a vontade.
Quero ir ao ginásio, mas falta-me a vontade.
Quero ter vontade de tudo fazer, mas falta-me a vontade.
Vou esticar o prazo mais uma semana e obrigar-me a arrancar. À semelhança das dietas, a minha vontade vai arrancar sempre amanhã :))

Raios, quero namorar, não me falta a vontade mas falta-me o namorado!!! Quero renovar o guarda-roupa, não me falta a vontade mas falta-me o dinheiro!!!

Oh Céus, por favor, entreguem-me pacotes de vontade... E, já que peço, que venha também o Euromilhões e o namorado para pertinho de mim... Pedir por pedir, que seja em grande.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Eu, Tu, Nós


Escrevo-te num abraço apertado de quem sabe que não te tinha e agora não te quer perder. Os medos são maus conselheiros e embora haja quem os ache sensatos, a mim, parece-me apenas que nos impedem de viver. O nosso destino, a nossa história, a nossa vida também têm de ser escritos por nós.
Construímos muros, tu e eu, em tempos de guerra fria em que o mundo não nos sabia amar. Convencemo-nos que não precisávamos do outro, mas o que fazíamos era somente arranjarmos a desculpa para seguirmos sozinhos e não nos sentirmos pressionados a depender de alguém.
Mas, amar é bom. E a união a que nos entregámos é o sentimento mais sincero que já vivi. Já não sinto a loucura da paixão, nem o medo de te perder. Sinto cada minuto a dois com uma calma e uma certeza que julgava não existirem. E se julgas que a distância é traiçoeira, enganas-te. A proximidade fictícia é que o é.
Sei que a estrada não acaba já ali e que jamais será em linha recta. Sei que o tempo se encarregará de nos contar o fim da história.
E sei que não abdico de ser feliz ao teu lado, apenas e só, porque até agora o amor me atraiçoou.

E agora?


E agora, o que faço nas horas livres do dia? O que faço depois de entregar os miúdos nas escolas?
Não me sinto perdida. Não me sinto triste. Não me sinto sem rumo.
O meu receio é que todos esses sentimentos ainda venham a acontecer.

Advogados, leis, dinheiros, falta de escrúpulos, más consciências. Não me posso esquecer de tudo isto e sei que tenho de me manter alerta. Quanto tempo durará o processo? Irá para tribunal? Chegaremos a acordo? Dúvidas a preencherem-me os dias. Dias que quero tentar viver em paz, procurando emprego e mantendo-me sã.
Vou abusar da boa vontade de amigos, enviar C.V.'s, estabelecer contactos. Numa palavra - desenrascar-me. Dizem-me que costumo ser boa nessa tarefa. Desenrasquei-me no divórcio, desenrasquei-me ao comprar carro (quando entrei pela primeira vez num stand senti-me um alien!) e desenrasco-me a gerir as crises diárias. Dito assim, numa penada, parece pouco. Mas não é...
E quero acreditar que vou ter sorte. Acredito que, um dia, o cenário de uma vida pode mudar. Se sempre fui mal-amada, acredito que agora o vou ser bem. Se não tenho tido sorte no emprego, acho que agora vou ter.
A pergunta é: estou a ser optimista ou realista? Optimista, é claro!!

Mas enquanto o optimismo durar é mais fácil seguir em frente de cabeça erguida!